Considerações do MPM sobre a Operação Carioca

O procurador-geral de Justiça Militar, Jaime de Cassio Miranda, encaminhou ofício ao presidente da República, Michel Temer, em 17 de fevereiro de 2017, com considerações a respeito da Operação Carioca, de emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, no período de 14 a 22 de fevereiro de 2017.

Leia abaixo o ofício:

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

Cumprimentando-o cordialmente, dirijo-me mui respeitosamente a Vossa Excelência para apresentar-lhe as seguintes considerações a respeito da Operação Carioca.

Em 13 de fevereiro de 2017, por meio do decreto publicado no dia 14 no Diário Oficial da União, foi autorizado o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, no período de 14 a 22 de fevereiro de 2017.

O ato tem como fundamento a previsão do art. 15 da Lei Complementar 97/1999, que, em seu § 2º, reclama que a atuação das FFAA dê-se “após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal”.

Já o § 3º do mencionado dispositivo indica que se consideram “esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional”.

Segundo notícias extraídas da mídia, o pedido do Governo do Estado do Rio de Janeiro fundamentou-se, essencialmente, no aumento do número de pessoas na capital em razão do Carnaval e no receio quanto à realização de paralisações pela Polícia Militar, como aconteceu no Espírito Santo.

Ainda segundo as publicações consultadas, o pedido original era de que as FFAA permanecessem no Estado até o dia 5 de março de 2017, o que não foi acolhido pelo Governo Federal.

Questiona-se, assim, se o esgotamento dos instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal, considerado o pressuposto fundamental para o emprego das Forças Armadas em operações de garantia da lei e da ordem, faz-se presente nesse episódio.

Em nota publicada no sítio eletrônico do Ministério da Defesa em 16 de fevereiro de 2017, dois dias depois do início da denominada Operação Carioca, apontou-se que o comando dessa operação “avaliou nesta quinta-feira (16) que os órgãos de segurança pública do estado do Rio de Janeiro operam sem qualquer problema”, destacando-se que o Ministro de Estado da Defesa “recebeu relatório no qual aponta que quase a totalidade dos Batalhões da Polícia Militar fluminense encontra-se em pleno funcionamento” (destacamos) 1.

Observa-se, assim, que, apenas dois dias depois do início das atividades de GLO, o cenário no Estado solicitante destoa flagrantemente do pressuposto básico para o emprego das FFAA, consistente no colapso ou na falência dos órgãos de segurança pública.

Não há, portanto, a caracterização de indisponibilidade, inexistência ou insuficiência das forças de segurança pública previstas no art. 144 da Constituição Federal.

Não o bastante, o principal fundamento invocado pelo Governo do Rio de Janeiro para a atuação das FFAA no Estado (o aumento do número de pessoas até o Carnaval) tampouco se harmoniza com o período da denominada Operação Carioca (de 14 a 22 de fevereiro), uma vez que é notório que a cidade do Rio de Janeiro, apesar de já vir recebendo mais turistas, obviamente contará com o maior número de visitantes justamente a partir do fim do período da operação, e mais precisamente entre os dias 24 de fevereiro (sexta-feira) e 1º de março (quarta-feira).

Diante de tais observações, parece que o pressuposto fundamental para o emprego das FFAA, com as devidas vênias, não restou devidamente atendido.

A rigor, a Operação Carioca revelou-se medida de caráter puramente preventivo, que não se coaduna com a previsão do § 2º do art. 15 da Lei Complementar 97/1999, tomada sob o receio de uma escalada da violência e sem que houvesse o reconhecimento formal pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro do esgotamento dos instrumentos ordinários de segurança pública.

Aliás, a natureza preventiva dessa operação foi expressamente reconhecida pelo Ministro de Estado da Defesa, como amplamente divulgado na imprensa.

E esse constante emprego das FFAA em operações de GLO, quiçá banal, sem o atendimento do seu pressuposto mais básico, além de criar precedentes perigosos no sentido do desvirtuamento de suas missões constitucionais e da “policialização” das Forças Armadas, carrega componente prático bastante grave.

Embora em operações de GLO (ou operações de “não guerra”) os princípios bélicos não devam prevalecer, justamente pelo fato de não haver um inimigo externo, mas cidadãos brasileiros que representam uma possível força adversa, o treinamento dos integrantes das FFAA tem como fundamento o conceito da máxima destruição, com elevado grau de letalidade.

Por esse motivo, apenas em situações excepcionalíssimas, de notória incapacidade das instituições tradicionais de segurança pública, dever-se-á recorrer às FFAA, que passarão a exercer tarefas de competência originária daqueles órgãos, cuja atuação, por outro lado, pauta-se na mínima ofensividade.

Dessa forma, as missões de garantia da lei e da ordem não podem ser encaradas como uma simples substituição às atividades de segurança pública ordinárias, pois as FFAA necessariamente deverão limitar o uso da força ao “mínimo indispensável” 2, afastando-se de sua missão típica.

A banalização do instituto, assim, pode gerar riscos desnecessários à população civil, na medida em que a coloca em contato direto com militares que não tem por vocação, em essência, a atividade de policiamento e de garantia da segurança pública.

São essas as preocupações que o Ministério Público Militar traz ao conhecimento de Vossa Excelência, na condição de fiscal da lei e de titular das ações penais militares por crimes praticados no contexto de operações de garantia da lei e da ordem (art. 15, § 7º, da LC 97/99), ao tempo em que pede vênia para sugerir estudo, a ser levado a efeito pelo Ministério da Defesa em coordenação com o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, quanto à possibilidade de encerramento imediato da missão, em razão das circunstâncias supradestacadas, ou, ao menos, a não extensão da operação.”

1 – Disponível em http://www.defesa.gov.br/noticias/28578-operacao-carioca-seguranca-publica-funciona-sem-alteracoes-no-rio. Acesso em 17 de fevereiro de 2017.
2 – Item 4.2.3.1 da publicação “Garantia da Lei e da Ordem – MD33-M-10 (2ª Edição/2014)”. Disponível em http://www.defesa.gov.br/arquivos/2014/mes02/md33_m_10_glo_2ed_2014.pdf. Acesso em 17 de fevereiro de 2017.