PJM Rio de Janeiro – recebida denúncia de fraudes em contratos do CENTRAN/DEC

A denúncia oferecida pela 2ª Procuradoria de Justiça Militar no Rio de Janeiro contra 11 pessoas, civis e militares, pelos crimes de estelionato e violação do dever funcional com fim de lucro retornou à 1ª Instância e foi recebida pela 2ª Auditoria da 1ª Circunscrição Judiciária Militar, no Rio de Janeiro. Os pagamentos indevidos desse esquema resultaram em prejuízos ao erário superiores a R$ 150 milhões, valores não atualizados monetariamente.

Os denunciados desenvolveram um esquema fraudulento, viabilizado através da assinatura de contratos entre o Departamento de Engenharia e Construção (DEC) e Fundações privadas (Bio-Rio, Ricardo Franco e Trompowsky), sob a coordenação e a fiscalização do Centro de Excelência em Engenharia de Transportes (CENTRAN), entre setembro de 2005 e dezembro de 2010, que possibilitou o repasse de verbas públicas a empresas “de fachada” em nome de amigos e parentes dos denunciados.

Além do recebimento da denúncia, o juiz-auditor deferiu os pedidos formulados pelo Ministério Público Militar e decretou o arresto e o sequestro de bens imóveis pertencentes a alguns dos denunciados, com objetivo de recompor o prejuízo sofrido pela administração militar. Foi autorizada ainda, a quebra dos sigilos bancário e fiscal de vários investigados.

A denúncia, oferecida pela 2ª PJM Rio de Janeiro em 11 de setembro de 2017, foi remetida ao Superior Tribunal Militar, no dia 27 de novembro de 2017, para deliberação. Na decisão pelo envio do IPM nº 0000167-93.2011, o juiz-auditor da 2ª Auditoria da 1ª CJM argumentou que: “Em razão da gravidade da situação e a fim de evitar argumentos futuros de nulidade (o que poderia levar a perda do criterioso trabalho desenvolvido pelo MPM), mostra-se prudente, no momento, a remessa do feito à Superior Instância para análise do envolvimento (ou não) dos oficiais-generais”.
Ressalte-se que a atribuição para processar oficiais-generais das Forças Armadas é do procurador-geral de Justiça Militar. Contudo, na denúncia encaminhada pela PJM Rio de Janeiro não havia indícios de envolvimento de algum oficial-general nos crimes identificados.

A ausência de elementos que atestassem a participação de oficiais-generais nos procedimentos fraudulentos foi o argumento do STM para devolver os autos ao órgão judiciário de origem para prosseguimento da ação penal.

As investigações revelaram uma engenharia criminosa na parceria DEC/DNIT, iniciada por ocasião dos convênios firmados entre o Instituto Militar de Engenharia (IME) com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Os envolvidos nessas atividades ilícitas acreditavam estar isentos de qualquer suspeita em razão da natureza técnica dos serviços prestados e pela posição funcional de alguns de seus integrantes.

De acordo com o Ministério Público Militar, são três os grupos de envolvidos nessas fraudes: um formado por oficiais coordenadores do CENTRAN, em razão da parceria firmada entre o DEC e o DNIT; outro, composto por sócios de empresas de fachada, que supostamente prestavam serviços; e o terceiro, com oficias da reserva e civis que representavam as fundações de apoio ao Exército – Ricardo Franco (FRF) e Trompowsky (FT) – e a Universidade Federal do Rio de Janeiro – BIO-RIO (FBR).

O coronel, atualmente na reserva, e o major, que compunham o primeiro grupo de denunciados, eram, respectivamente, o supervisor executivo e o supervisor administrativo dos contratos celebrados pelo CENTRAN. Após o afastamento de ambos da coordenação do Centro, em abril de 2009, diante da suspeita de irregularidades na gestão dos recursos e na fiscalização dos contratos, as irregularidades continuaram a ser realizadas por um tenente, fiscal do contrato, e um major, na função de gestor técnico do CENTRAN.

O grupo de empresários utilizava parentes e amigos como laranjas para a administração de empresas que participaram de procedimentos licitatórios do DEC, mediante indicação dos oficiais supervisores do CENTRAN. Para o MPM, todos os denunciados tinham conhecimento de que as empresas eram de fachada e que elas não possuíam capacidade técnica em engenharia de transportes. Algumas dessas empresas, inclusive, foram criadas especificamente para serem utilizadas na empreitada criminosa.

Essas empresas apresentaram propostas de preço em processos de dispensa de licitação realizados pelo DEC, mas instruídos com informações e documentos apresentados pelo CENTRAN, e em processos de seleção realizados pelas Fundações, assim como emitiam notas fiscais ideologicamente falsas e firmaram contratos falsos. Nas investigações, foram identificadas 14 empresas de fachada, nove delas também envolvidas no desvio de recursos dos convênios IME/DNIT.

Diligências realizadas pelo encarregado do Inquérito Policial Militar concluíram que o desenvolvimento dos projetos era coordenado pelo CENTRAN, que indicava às Fundações as pessoas físicas ou jurídicas a serem contratadas, bem como solicitava a essas mesmas fundações o pagamento em favor das pessoas indicadas pelo coronel ou pelo major.

Restou apurado que nesta parceria, o DEC, sob a coordenação e a fiscalização do CENTRAN, celebrou 29 contratos com a Fundação Ricardo Franco, 25 com a Fundação Trompowsky, e 17 com a Fundação BIO-RIO. Sendo certo que as aludidas fundações não tinham capacidade técnica para prestar assessoramento em consultoria de transportes, razão pela qual subcontrataram os serviços das 14 empresas de fachada.

Os coordenadores do CENTRAN, em conluio com os secretários das fundações e sócios das empresas de fachada, enganaram a administração do DEC pois instruíram os processos de dispensa de licitação com documentos ideologicamente falsos, assim como superfaturaram os preços dos serviços a serem executados e atestaram falsamente a capacidade técnica das fundações.

Após celebrados os contratos respectivos, entre o DEC e as Fundações, as fraudes ocorriam de três formas: os serviços não eram executados pelas empresas de fachadas; ou contratava-se serviços já executados em outros contratos celebrados pelos DEC; ou havia superfaturamento, os serviços efetivamente executados tinham custo muito inferior ao pactuado em contrato.

Assim, avalia o MPM, a administração central do DEC em Brasília foi enganada, pois confiou na idoneidade dos agentes administrativos do CENTRAN, responsáveis pela fiscalização dos Contratos, como também dos secretários gerais das fundações, duas de apoio ao Exército, notadamente pela natureza específica dos serviços, sendo induzida em erro, ao homologar as dispensas de licitação, celebrar os contratos e, principalmente, autorizar os pagamentos indevidos às fundações sediadas no Rio de Janeiro.

O MPM, mediante compartilhamento de prova autorizado pela justiça militar, utilizou parte do Relatório de Análise do Centro de Apoio à Investigação do MPM (CPADSI/MPM) emitido no caso IME/DNIT, pois havia envolvidos comuns nas duas empreitadas criminosas. Assim, conforme esse relatório, o CPADSI analisou 372 contas bancárias pertencentes a 32 pessoas físicas e 8 jurídicas e a 9 empresas de fachada. O Centro de Apoio à Investigação concluiu que “parte dos investigados apresentou movimentação financeira relevante e vínculos diretos ou indiretos com outros investigados do caso sob análise, bem como outras pessoas físicas e jurídicas supostamente envolvidas em fraudes perpetradas na gestão de recursos do IME e do DEC/CENTRAN.

A análise de dados bancários e fiscais revelou uma evolução patrimonial incompatível de alguns dos envolvidos. Por exemplo, o major denunciado, à época capitão, tinha vencimento bruto anual inferior a 105 mil, porém sua movimentação bancária nos anos de 2004, 2005 e 2006 foi de R$ 367 mil, R$ 387 mil e R$ 1.153 milhões, respectivamente. Entre 2004 e 2009, o major e o coronel, então supervisores do CENTRAN, movimentaram mais de R$ 3 milhões em suas contas bancárias. No mesmo período, a remuneração de ambos, proveniente do Exército, representou respectivamente 9,5% e 19,1% desse volume de recursos.

Para o MPM, “os militares, coordenadores do CENTRAN, responsáveis pela fiscalização e acompanhamento de todos os contratos firmados pelo DEC, violaram seus deveres funcionais com o fim de lucro, visando a obter vantagem pessoal para si e para outrem, assim incorreram no artigo 320 do Código Penal Militar.

Como organizadores e líderes de uma empreitada criminosa, em conluio com os secretários das referidas fundações e mencionados empresários, forjaram procedimentos licitatórios, atestaram falsamente notas fiscais emitidas pelas fundações e pelas empresas de fachada, por serviços não prestados e outros, embora executados, com custo irrisório comparado ao valor pactuado, tudo em detrimento do patrimônio militar, pelo que incorreram no artigo 251, §3º, do CPM (estelionato). Os prejuízos causados por esse esquema, até o momento, atingem o montante de R$ 151.082.825,00, sem atualização monetária.

Os outros dois militares que substituíram os coordenadores anteriores do CENTRAN, após as suspeitas de irregularidades, o tenente, fiscal do contrato, e o major, gestor técnico, deram continuidade às práticas delituosas, incorrendo também nos crimes de violação do dever funcional com o fim de lucro, artigo 320, e estelionato, artigo 251, ambos descritos no CPM.

Do grupo ligado às Fundações, foram três os denunciados, dois coronéis da Reserva e um civil. Eles exerciam funções de secretário-geral ou diretor administrativo das Fundações Ricardo Franco, Trompowsky e BIO-RIO e concorreram para a efetiva participação dessas fundações nos aludidos certames licitatórios. Os denunciados fraudavam os contratos decorrentes, por meio de apresentação de propostas de preço ideologicamente falsas, já que não possuíam capacidade técnica para a prestação de serviços em engenharia de transportes, assim como os valores eram superfaturados. Os três foram denunciados pelos mesmos crimes, violação do dever funcional com o fim de lucro e estelionato.

Dois empresários, responsáveis pela articulação, criação e utilização das 14 empresas de fachada no esquema fraudulento, foram denunciados pelos mesmos crimes citados. Para o MPM, eles coordenavam as atividades das pessoas que figuraram como sócias das aludidas empresas, que apresentaram propostas de preço e emissão de notas fiscais ideologicamente falsas. Outros dois empresários, sócios das empresas de fachada, constam ainda da denúncia pela prática dos crimes de estelionato e violação do dever funcional com o fim de lucro.

A próxima etapa do processo será a inquirição de algumas testemunhas arroladas pelo Ministério Público Militar na denúncia, agendada para 6 de agosto de 2018 pela 2 ª Auditoria do Rio de Janeiro.