CIDH declara responsabilidade do Brasil pelo desaparecimento de jovens no Massacre de Acari/RJ em 1990

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publicou a sentença do Caso Leite de Souza e outros Vs. Brasil, declarando a responsabilidade internacional do Estado do Brasil pelo desparecimento forçado de 11 jovens afrodescendentes, residentes da Favela de Acari, em 26 de julho de 1990, bem como pelas graves falências nas investigações desses fatos e dos homicídios de duas familiares que impulsionaram as investigações dos desaparecimentos.

A Secretaria de Direitos Humanos, Direito Humanitário e Relações Internacionais (SDHRI) ressalta que, de acordo com a doutrina, a condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por violações de direitos humanos gera consequências nos planos jurídico, político e social. “Juridicamente, a sentença impõe ao Estado brasileiro a obrigação de reparar as vítimas, adotar medidas para evitar a repetição das violações e ajustar suas leis e práticas aos padrões internacionais de direitos humanos. Politicamente, traz reflexos para a imagem do Brasil no cenário internacional e expõe o país a uma pressão para melhorar nossas políticas de direitos humanos e demonstrar um maior comprometimento com as normas internacionais”, esclarece a secretária de DHRI, a procuradora de Justiça Militar Helena Mercês Claret da Mota.

Ainda segundo a SDHRI, socialmente, a condenação traz visibilidade às violações, mobilizando a sociedade civil e organizações não governamentais a atuarem de forma mais incisiva na defesa dos direitos humanos, promovendo um ambiente de maior fiscalização e cobrança por parte da população e da comunidade internacional.

Entenda o caso – Na noite de 14 de julho de 1990, seis policiais militares uniformizados, supostamente integrantes dos “Cavalos Corredores” (um dos grupos de extermínio que operava na Favela de Acari, no Rio de Janeiro/RJ, e era composto por policiais do 9º Batalhão da Polícia Militar de Rocha Miranda), invadiram uma residência e detiveram três jovens, com ameaças de morte e exigência de altas quantias de dinheiro.

Em outra investida, em 26 de julho de 1990, novamente grupo de aproximadamente seis homens encapuzados, supostamente integrantes dos “Cavalos Corredores”, invadiu outra casa na comunidade, residência da avó de um dos jovens desaparecidos que se encontravam em sua casa. Os invasores disseram que eram agentes de polícia, exigiram dinheiro e sequestraram 11 jovens, todos residentes na favela de Acari. Até hoje, não se conhece o paradeiro desses jovens.

O processo penal aberto para apurar os fatos foi arquivado em 10 de abril de 2011, diante da ausência de “suporte probatório mínimo” e, em aplicação da prescrição. A ação de reparação de danos materiais e morais movida por alguns familiares contra o Estado do Rio de Janeiro em julho de 2015 pelos fatos anteriormente apontados não continuou pela aplicação da prescrição. Em junho de 2022, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro publicou a Lei 9.753, a qual dispõe, entre outros aspectos, que será concedidarepara ção financeira, a título de danos material e moral, aos familiares das onze pessoas desaparecidas no denominado “Massacre de Acari”. Em 15 de janeiro de 1993, a líder do grupo “Mães de Acari”, mãe de um dos jovens desaparecidos, e sua sobrinha foram assassinadas na Estação de Metrô da Praza 11, na cidade do Rio de Janeiro. O homicídio ocorreu pouco tempo depois de ela ter declarado perante uma autoridade judicial sobre a participação de policiais no desaparecimento dos 11 jovens. O processo penal iniciado por esses homicídios culminou com a absolvição dos quatro policiais militares acusados, em abril de 2024.

Sentença CIDH – Ao analisar o caso e a prova dos autos, a Corte concluiu que os jovens de Acari foram desaparecidos forçadamente por agentes estatais. Em virtude disso, determinou que o Brasil é responsável pela violação dos direitos ao reconhecimento à personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, contidos nos artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento e com a violação da obrigação de não praticar, permitir nem tolerar o desaparecimento forçado de pessoas, prevista no artigo I a) da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, em prejuízo das pessoas que foram vítimas de desaparecimento forçado, assim como pela violação dos direitos da criança, estabelecido no artigo 19 da Convenção Americana, em prejuízo as crianças à época de seu desaparecimento.

Por outra parte, a Corte concluiu que o Estado não realizou una investigação séria, objetiva e efetiva, e dirigida à determinação da verdade. Ademais, a Corte advertiu que, transcorridos mais de 34 anos desde o desaparecimento forçado das 11 pessoas e apesar dos trabalhos de busca e as exigências de justiça das mães das vítimas, através do movimento “Mães de Acari”, os fatos permanecem em absoluta impunidade, desconhecendo-se o paradeiro de seus entes queridos ou os possíveis perpetradores dessa grave violação de direitos humanos.

Portanto, a Corte determinou a responsabilidade internacional do Estado pela violação dos direitos contidos nos artigos 7.b) y f) da Convenção de Belem do Pará, nos artigos 8.1, 13, 19 e 25.1 da Convenção Americana, em relação com os artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento e nos artigos I.b) e III da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas.

Adicionalmente, a Corte concluiu que os familiares das vítimas, em particular as “Mães de Acari”, receberam um tratamento discriminatório, em seus labores de busca e demandas por justiça. Além disso, a Corte concluiu que restou demonstrado o impacto à integridade pessoal dos familiares das vítimas desaparecidas, portanto, concluiu que o Estado é responsável pela violação ao artigo 5.1 da Convenção Americana.

Medidas de reparação – Em razão dessas violações, a Corte ordenou medidas de reparação, como: continuar com a investigação do desaparecimento forçado dos 11 jovens de Acari; efetuar uma busca rigorosa do paradeiro dos jovens desaparecidos; realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional; criar no Barrio de Acari, na cidade do Rio de Janeiro, um espaço de memória, e elaborar um estudo que contemple um diagnóstico atual sobre a atuação de “milícias” e grupos de extermínio no Rio de Janeiro. (Com informações da Assessoria de Comunicação da Corte IDH)

O resumo oficial e o texto integral da sentença podem ser encontrados aqui.


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