

Seis civis denunciados pela 4ª Procuradoria de Justiça Militar no Rio de Janeiro por tentativa de homicídio contra militares foram condenados pelo juiz Federal da Justiça Militar da 4ª Auditoria da 1ª Circunscrição Judiciária Militar (1ª CJM).
As penas aplicadas variam de 9 anos a 10 anos e 6 meses de reclusão e estão previstas no artigo 121, § 2º, inciso VII, do Código Penal Comum, que trata do crime de homicídio qualificado na modalidade tentada.
O caso ocorreu em 20 de agosto de 2018, quando dez militares que realizavam operação de combate ao tráfico de drogas no Complexo da Penha e do Alemão, no contexto de Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, foram recebidos a tiros pelos agora condenados.
De acordo com a denúncia do Ministério Público Militar, os civis, de forma dolosa, livre, consciente, em comunhão de vontades e com dolo de matar, realizaram disparos, por quase duas horas, na direção dos militares, não logrando êxito em atingi-los em razão de circunstâncias alheias à vontade dos condenados.
A denúncia foi inicialmente rejeitada pela 4ª Auditoria da 1ª CJM, sendo recebida em 21 de maio de 2019, pelo Superior Tribunal Militar, após recurso da PJM Rio de Janeiro. Originalmente eram sete denunciados, mas no curso do processo, um deles faleceu, extinguindo sua punibilidade.

Na decisão, o juiz federal apresentou argumentos para rejeição de todas as preliminares suscitadas pela defesa. Entre elas, a alegação de incompetência da Justiça Militar da União para processar e julgar réus civis; o pedido de aplicação do rito do júri diante da acusação de crime doloso contra a vida; a alegação de manifesta fragilidade das provas; a solicitação de aplicação do princípio in dubio pro reo em caso de dúvida razoável do julgador; e, finalmente, alegação de vinculação do juiz ao pedido de absolvição do MP.
O magistrado declarou que o acórdão e sentença absolutórios proferidos na Justiça Comum, onde o fato também foi objeto de processo, “não têm o condão de alterar os fundamentos dos fatos apreciados neste processo penal militar”. Como ressaltou, os fatos sujeitos a julgamento na Justiça Comum não são exatamente os mesmos apreciados pela Justiça Militar da União. Embora tenham estrita conexão, foram separados para apreciação nas esferas competentes, em especial a conduta de tentativa de homicídio contra dez militares, durante confronto armado.
O juiz federal também rejeitou a tese formulada pela defesa de que seriam inidôneos os depoimentos dos agentes militares que atuaram como testemunhas, diante da constatação da prática de tortura. “A aceitabilidade de uma conclusão pericial para a prova de um fato não deve se fiar somente na idoneidade dos peritos que a realizaram, ou nos institutos a que pertencem, que são fatores complementares para o juízo decisório. A análise deve ser feita a partir da coerência do seu conteúdo e da confiabilidade dos métodos e dos resultados efetivamente encontrados”, escreve na decisão.
De acordo com o magistrado, o laudo específico para investigar a hipótese de tortura baseou-se em exame médico pericial sem muita especificidade, realizado em data longínqua, e que deixou de averiguar e de discutir se as lesões poderiam ter decorrido do contexto do intenso confronto armado.
Jurisprudência – Acrescenta que, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os depoimentos prestados por policiais têm valor probante: “o depoimento dos policiais, prestado em Juízo, constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do réu, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade dos agentes, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova, o que não ocorreu no presente caso.”
Ainda conforme a sentença, não foram constatados atos de tortura praticados pelos militares, ou qualquer outro motivo de fato e de direito, capazes de repercutir na validade da prova oral.
A existência dos fatos é verificada a partir da documentação da prisão em flagrante, da convergência dos depoimentos dos militares ofendidos e da testemunha militar que acompanhou a tropa, prestados em juízo, em consonância com os esboços, documentos, croquis, fotos e exames juntados aos autos.
Para o magistrado, ficaram provados os fatos narrados na denúncia, bem como o seu delineamento gráfico representado nos croquis anexos e nas fotos, que evidenciam o contexto da Operação Militar desencadeada, bem como os aspectos geográficos, temporais e o confronto propriamente dito. “Assim, não há dúvida de que houve um confronto armado intenso na região de ‘garganta’, que durou cerca de duas horas, após incursão da tropa na localidade pela madrugada, aproximadamente, entre 4h e 5h, e que o grupamento permaneceu protegido por um muro em um beco, na zona da bifurcação destacada no croqui, sob elevado fogo de armas, que a tropa conseguiu oportunamente superar, de modo que a rendição dos atiradores já ocorreu sob a luz do dia.”
A conclusão do magistrado é pela inexistência de dúvida de que o local da rendição coincide com o dos disparos, de que no local de onde vieram rendidos os réus que foram presos havia armamento e munição – de modo a permitir a clara inferência de que os presos eram os infratores que, reunidos no local dos disparos, agiam em conluio, com sinergia de desígnios.
Rendição – Como apurado, a rendição ocorreu porque os infratores ficaram encurralados entre a mata e a parede rochosa, quando os tiros de resistência cessaram e iniciaram negociações para rendição. A inferência probatória cabível é que, ao diminuir ou acabar a munição, os infratores se renderam pela inexistência de acesso livre para fuga no local em que estavam resistindo.
Em síntese, não era possível, naquele momento, e nas circunstâncias relatadas, que uma pessoa sem o intuito de se opor à ação da tropa federal fosse parar inadvertidamente no exato ponto da rendição dos infratores da lei. Quando são analisadas as versões dos acusados, percebe-se que não há verossimilhança nos fatos alegados, tampouco qualquer início de prova que impingisse uma dúvida razoável dessas ocorrências.
“Como se demonstrou, existe a certeza, para além de uma dúvida razoável, que os agentes estavam presentes no exato ponto da resistência armada e que não seria possível ali estar sem, ao menos, adotar uma conduta acessória aos efetivos disparadores contra a tropa. Ou seja, não há dúvidas das suas contribuições para o crime”, conclui o juiz.
Desta forma, os argumentos do Ministério Público Militar foram acolhidos, ficando assentado o vínculo entre o crime e os acusados. De acordo com o magistrado, houve descrição fática suficiente a demonstrar esse vínculo criminal. Ainda segundo o juiz, as versões defensivas não são capazes de incutir minimamente uma dúvida razoável sobre esse panorama.
A pena definitiva de cada um dos condenados foi estabelecida considerando atenuantes e agravantes previstos em lei: a menor, fixada em 9 anos de reclusão; outra, em 9 anos e 25 dias. Dois civis foram apenados a 9 anos, 4 meses e 15 dias. O último deles, com maus antecedentes, recebeu a pena maior, de 10 anos e 6 meses de reclusão.






























