Ministro profere discurso em celebração aos 100 anos do MPM, das Auditorias Militares e da Advocacia Pública Federal

Durante a Sessão de Julgamento do Superior Tribunal Militar de hoje(28), o ministro Péricles Aurélio Lima de Queiroz, oriundo do Ministério Público Militar proferiu discurso a respeito dos 100 anos do MPM, das Auditorias e da advocacia pública federal.

Leia abaixo o discurso do ministro Péricles.

CÓDIGO DE JUSTIÇA MILITAR DE 1920:

100 anos do Ministério Público Militar, das Auditorias e da Advocacia de Ofício

No próximo dia 30 de outubro comemora-se 100 anos de criação das Auditorias Militares, do Ministério Público Militar e do embrião da advocacia pública Federal. O Código de 1920 estabeleceu a organização territorial da Justiça Militar, com 12 circunscrições e os cargos de Auditor, Promotor e Advogado de Ofício – origem do Defensor Público da União, concebido 74 anos depois. Também foram criados os cargos de Escrivão e Oficial de Justiça.

Conceituados pesquisadores da História do Direito consideram que os tribunais militares surgiram no ano 308 a.C., no Império Romano, onde apareceu a figura do Auditor. O Breviário de Alarico, compilação de leis promulgadas em 2 de fevereiro de 506 pelo Imperador romano, definiam a função do Auditor militar como consultor da disciplina nos exércitos. Modernamente, o cargo foi criado pelo Imperador Carlos V da Espanha em 1553, como “Auditor Geral dos Exércitos”, e logo ocupado, brilhantemente, por Baltasar de Ayala, precursor do Direito Internacional com a insuperável obra “De Jure et Oficiis bellicis et Disciplina Militari”.

O cargo do magistrado militar – Auditor de Guerra e Auditor de Marinha – havia sido inicialmente previsto em Portugal com a Resolução Real de 16.06.1641, normatizado com o “Regulamento dos Auditores de 1642”. Também chamado de “Auditor letrado”, incumbia-lhe atribuições judiciais. Podia ser exercido por um Oficial designado. Ocupava posto e patente. Sempre desempenhou funções perante os órgãos de justiça militar. A Lei 1.860 (04.01.1908), instituiu no Exército o Serviço de Justiça, composto por 16 auditores togados. Contudo, não havia a organização das Auditorias, e o serviço judicial desenvolvia-se junto dos Grandes Comandos. Isto é, o Auditor inseria-se na organização militar. Apenas com a Reforma judiciária de 1920 o cargo tornou-se eminentemente civil.

O Código de 1920 é considerado um marco evolutivo e de inegável arrojo no Direito Militar. Estabeleceu a figura do Procurador-Geral como Chefe do Ministério Público Militar e seu titular no Tribunal; criou mais um cargo de Ministro civil; a eleição e o mandato do presidente, proibida a reeleição (critério somente adotado para magistratura nacional com a Reforma de 1977); os Conselhos Permanentes e Especiais com o sorteio de juízes; a efetiva repartição da funções de acusar, defender e julgar; a obrigatoriedade do concurso público para Auditor, Promotor e Advogado; o moderno sistema de recursos, incluindo-se os embargos às Partes; a aplicação da lista tríplice para promoção; a vitaliciedade e a inamovibilidade dos magistrados.

Ademais, a referida norma extinguiu os Conselhos de Investigação e de Guerra, criou o Inquérito Policial Militar e os Conselhos de Justiça, deu rito especial ao processo de deserção, além da similaridade à legislação adjetiva comum. Tal progresso é resultante de duas tradições político-jurídicas que se convergiram no volver da segunda década do século XX.

Promulgado pelo Presidente Epitácio Pessoa, que tinha como Ministro da Guerra João Pandiá Calogeras, o Código representou a modernização da Justiça Militar da União. Participaram ativamente de sua elaboração, o Auditor de Guerra João Pessôa e diversos outros Auditores, os Comandos do Exército e da Armada, além de parlamentares e juristas.

Ao longo dos 18 anos de sua vigência, até 1938, sofreu poucas alterações, destacando-se a instituição da Auditoria de Correição e as atribuições do Auditor Corregedor.

Embora somente a Constituição de 1934 tenha inserido a Justiça Militar no âmbito do Poder Judiciário, o Código de 1920 edificou sua estrutura de processo penal e organização judiciária em configuração moderna e consentânea com os demais ramos de justiça do país, ombreando a figura do Auditor e do Promotor aos seus homólogos da justiça comum.

Assim, o Ministério Público Militar há exatos 100 anos teve o seu perfil traçado no citado Decreto 14.450 de 30 de outubro de 1920, e a comunidade jurídica nacional acalentava a modernização da Justiça Castrense desde a República.

Como parte da comemoração de seu centenário, recordo a origem e evolução histórica do Ministério Público, instituição essencial à função jurisdicional do Estado e a proteção dos interesses sociais e individuais indisponíveis, de previsão no art. 127, da Constituição da República.

Por conseguinte, há mais de 4 mil anos o funcionário real do Egito, denominado magiaí, protegia os cidadãos pacíficos, perseguia o perverso e tomava parte das instruções para descobrir a verdade. Existem traços do Parquet na antiguidade clássica, como nos éforos de Esparta ou nos tesmótetas gregos.

Em Roma, berço do direito ocidental, despontava a figura do advocatus fisci, do defensor civitatis e dos procuratores caesaris. O termo Ministério Público, como instituição e mão da lei, surgiu na França no século XVIII, cuja origem remonta a Ordenança de 25.3.1302, de Felipe IV, o Belo, Rei da França.

Nas Ordenações Afonsinas de 1446, havia a figura do Procurador dos Nossos Feitos. Destacava-se o papel de cuidar das viúvas, dos órfãos e dos miseráveis. Em atribuição semelhante ao que o Ministério Público faz atualmente no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A figura do Promotor de Justiça apareceu inicialmente nas Ordenações Manuelinas de 1512. Ponto interessante da história é a criação do Promotor de Justiça Eclesiástico que atuava perante a Igreja Católica.

No período colonial brasileiro, o embrião do Ministério Público remonta ao ano de 1609 ao criar a Relação da Bahia, em que o Procurador da Coroa possuía a função de promotor de justiça.

Em que pese a legislação histórica já apontar sobre instituição similar ao Parquet das Armas no Alvará de 1640, que criou os Conselhos de Guerra, e no Regimento de 1643, os cargos de Procurador-Geral e Promotores da Justiça Militar foram pela primeira vez criados na norma de 1920.

A ideia inicial de instituir na Justiça Castrense um órgão com a dupla função de promover a ação penal – dominus litis – e fiscalizar a aplicação da lei – custos legis – se deu por Nabuco de Araújo em 1850. Duque de Caxias, enquanto Ministro da Guerra incentivou projetos de aperfeiçoamento da Justiça Militar, nos quais o titular do Ministério Público aparecia como promotor de Justiça Criminal Militar (1865). Em 1907, o Projeto de Lei 475 previa as figuras do Procurador-Geral e de Promotores Militares para a Justiça Castrense. Da mesma forma, o Projeto de Lei 194-B de 1912.

Em dezembro de 1920 e janeiro do ano seguinte os Promotores Militares já estavam empossados, e junto a este Tribunal o Procurador-Geral de Justiça Militar tinha assento assegurado. João Bulcão Viana foi o primeiro membro do Ministério Público a ingressar como Ministro em 1926, permanecendo no cargo por duas décadas.

O Código de Processo Penal e Organização Judiciária de 1920 instituiu também a Advocacia de Ofício, hoje Defensoria Pública da União. Uma curiosidade sobre o assunto revela que o aconselhamento dos Réus militares por advogados data desde 1778, ou seja, uma justiça evoluída para o seu tempo, se considerarmos que a célebre obra de Cesare Beccaria “Dos Delitos e das Penas” de 1764 exigia não somente penas proporcionais, mas um processo justo. Efetiva paridade de armas entre acusação e defesa.

A adoção do novo Código atendia a política de modernização do Exército e da Marinha, com a implantação do Serviço Militar em 1916. Ruy Barbosa contestava com veemência a constitucionalidade do antigo Regulamento Processual Criminal de 1895, o qual, a despeito de sua perfeição técnica, não havia sido aprovado por lei, senão indiretamente por autorização legislativa atribuída ao Superior Tribunal Militar. A comunidade civil reconhecia que a aplicação da justiça nas fileiras das Forças Armadas era fator indispensável para a manutenção da hierarquia e da disciplina, sob a égide de leis processuais modernas e consentâneas com o arcabouço jurídico nacional.

Para finalizar, não se deve olvidar da inauguração do quinto constitucional em tribunais brasileiros. Como Ministros deste Tribunal houve 12 membros do Ministério Público Militar nos seus 98 anos: João Vicente Bulcão Vianna (1926), Washington Vaz de Mello (1941), Octávio Murgel de Resende (1952), João Romeiro Neto (1968), Eraldo Gueiros Leite (1968), Nélson Barbosa Sampaio (1970), Amarílio Lopes Salgado (1970), Jacy Guimarães Pinheiro (1971), Ruy de Lima Pessôa (1977), Eduardo Victor Pires Gonçalves (1990), Olympio Pereira da Silva Júnior (1993) e este que vos fala (2016).

No ano de seu centenário, o Parquet das Armas executa o seu dever de servo da Lei, o qual, desde 1920, vem sendo cumprido ininterruptamente, consagrado como instituição de defesa da ordem jurídica na Constituição da República de 1988. Integra o Ministério Público da União desde a Carta de 1946, ao lado do Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Cumprimento, pois, o eminente Vice-Procurador-Geral de Justiça Militar presente nesta sessão, Dr. Clauro Roberto de Bortolli, o nobre Defensor Público Federal de Categoria Especial, os MM. Juízes Federais da Justiça Militar e estendo minha saudação aos servidores do Ministério Público Militar e das Auditorias na passagem de seu 100º aniversário de criação.