Competência do MPM é reconhecida em julgamento de homicídio no Complexo do Alemão

A Justiça Federal, em decisão da 2a Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2a Região, reconheceu a competência da Justiça Militar para processar e julgar um caso de homicídio ocorrido no Complexo do Alemão, em dezembro de 2011, quando da ocupação da Força de Pacificação.

Episódio envolvendo uma patrulha do Exército, na localidade conhecida como Mirante da Chatuba, no Morro do Caracol, resultou na morte de um menor, alvejado com um tiro de fuzil que lhe trespassou o tronco. Imediatamente após o fato, foram instaurados inquérito policial militar, conduzido pelas autoridades da polícia judiciária militar,, e inquérito policial comum, pela Polícia Civil, para apurar as circunstâncias que envolveram a morte. Da mesma forma, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão da Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro instaurou procedimento administrativo.

No curso dos três procedimentos – IPM, IP da Polícia Civil e procedimento administrativo do MPF –, foi realizada colheita de material probatório, que incluiu elaboração de laudo de exame de corpo de delito de necrópsia, laudo de exame de local, laudo de reprodução simulada e laudo pericial de balística, reconstituição fotográfica diurna e inquirição das pessoas que poderiam prestar esclarecimentos a respeito do ocorrido.

O material evidenciou, entre outras questões, que havia choque entre a versão apresentada pelos componentes da patrulha, que alegavam que a morte do menor resultara de um confronto com elementos armados, e o que dizia o primo da vítima, que afirmava que os únicos disparos efetuados no dia dos fatos teriam sido proferidos pela patrulha do Exército.

O laudo de reprodução simulada não solucionava essa questão, limitando-se a afirmar que haveria “compatibilidade técnica” entre os disparos efetuados por dois componentes da patrulha e o que atingira a vítima. Além disso, os fatos de o disparo fatal ter trespassado o corpo do adolescente morto e de não ter sido recuperado o projétil que o atingira impediram a determinação do autor do tiro causador da morte.

Em 14 de março de 2013, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra dois dos militares, imputando-lhes a prática, em concurso de agentes, de homicídio doloso qualificado (artigo 121, parágrafo 2o, inciso IV do Código Penal), com base na conclusão do laudo pericial da reconstituição. Essa denúncia foi recebida pelo Juízo da 8ª Vara Federal Criminal, em 26 de março de 2013.

Nessa época, o Inquérito Policial Militar ainda se encontrava em curso, para realização das diligências complementares requeridas pelo Ministério Público Militar e deferidas pelo Juízo da 4ª Auditoria da 1ª Circunscrição Judiciária Militar.

A ação penal, então em curso regular, resultou em sentença de pronúncia, proferida em 22 de maio de 2015, e indicou que, por subsistirem “duas teses igualmente plausíveis” a respeito dos acontecimentos sob apuração, não haveria como subtrair o conhecimento dos fatos ao órgão competente para isso, o Plenário do Tribunal do Júri.

A defesa dos dois réus interpôs recurso que foi apreciado pela 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em sessões de 3 de maio e 14 julho de 2016. Ao final, por dois votos a um, o recurso foi julgado parcialmente procedente, sob o fundamento de que, por serem as versões apresentadas pelos réus e pelas testemunhas plausíveis e harmônicas, persistiam as dúvidas quanto aos pressupostos de legítima defesa. Assim, não haveria como imputar aos militares integrantes da patrulha do Exército a prática de homicídio doloso. Sendo a competência limitada aos casos de homicídio doloso praticado por militares contra civis, a Justiça Federal declarou-se incompetente para se pronunciar sobre a matéria e determinou a remessa dos autos à Justiça Militar, para sua apreciação definitiva.

As diligências foram retomadas, depoimentos colhidos, ficando plenamente comprovado para o MPM a agressão sofrida pelos militares integrantes da patrulha e, por consequência, a situação de legítima defesa na espécie. A simples verificação do que foi dito pelos militares envolvidos na ação do dia 26 de dezembro de 2011, avalia o promotor de Justiça Militar que atuou no caso, deixa claro por que não foi possível encontrar a arma usada na agressão sofrida por eles, bem como as cápsulas de projéteis dela disparados.Há relatos de que, no mesmo dia em que se deu o episódio, ocorrera situação de risco envolvendo outra patrulha das Forças Armadas, na mesma região onde se passaram os fatos. Além disso, o local onde se encontrava a tropa era sabidamente perigoso e já fora referido anteriormente como ponto de venda de drogas.

Por essa razão, a Procuradoria de Justiça Militar no Rio de Janeiro requereu o arquivamento do IPM por entender que a agressão contra a patrulha realmente aconteceu e que a reação de seus integrantes respeitou, por completo, os limites da necessidade e proporcionalidade exigidas pela lei penal comum e militar.

A Justiça Militar da 4ª Auditoria da 1ª CJM concordou com o MPM e determinou o arquivamento do IPM. Em suas argumentações, o juiz-auditor que assina a decisão declara que: “Sendo certo que ocorreram ataques contra a tropa, não há falar em legítima defesa putativa, mas sim, em legítima defesa real, uma vez que os militares utilizaram os meios necessários e disponíveis para salvaguardar suas vidas das agressões injustas, inexistindo, assim, crime – não há antijuricidade.”