Nota de Esclarecimento

Sobre a matéria intitulada “Resolução abre brecha para que militares se livrem de processos por crimes comuns”, de autoria de Bela Megale, publicada em 18/06/2022, em “O Globo”, o Ministério Público Militar presta os esclarecimentos que se seguem.

De acordo com a Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993, o Conselho Superior do Ministério Público Militar (CSMPM) é o órgão competente para exercer o poder normativo no âmbito da Instituição, podendo definir vetores de atuação por meio de suas Resoluções (art. 131, I).

A provocação para que o CSMPM regulamente determinada matéria pode ocorrer por variadas formas, incluindo requerimento não apenas do Procurador-Geral de Justiça Militar, mas também dos Subprocuradores-Gerais de Justiça Militar, ou mesmo de qualquer outro membro ou servidor do Ministério Público Militar.

Sobre a alteração da Resolução n. 101, de 26 de novembro de 2018, que versa sobre o Procedimento Investigatório Criminal e no bojo da qual se disciplinou o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), a provocação para a normativa objeto da notícia foi de iniciativa do Subprocurador-Geral de Justiça Militar Carlos Frederico de Oliveira Pereira, erroneamente apontado na matéria como contrário à proposta.

Necessário, entretanto, consignar alguns outros pontos relevantes para a compreensão do tema.

O ANPP surgiu no cenário jurídico brasileiro por meio da Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público n. 181, de 7 de agosto de 2017, especificamente em seu artigo 18. Atualmente, o tema se encontra regulado pelo denominado “Pacote Anticrime” (Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019), que, nesse ponto, alcançou expressamente apenas o Código de Processo Penal (CPP) comum, inserindo o ANPP por meio do art. 28-A e seus parágrafos, mas não havendo singular menção no texto legal sobre restrição do instituto aos crimes militares.

O fato de o CPP comum não restringir o ANPP a militares ou aos crimes militares, já permitiria, sem nenhuma necessidade de normatização por Resolução ou outro ato normativo, a aplicação do instituto à persecução penal militar, forte no que dispõe o art. 3º, alínea “a”, do Código de Processo Penal Militar (CPPM). Ou seja, mesmo sem a mencionada alteração da Resolução do CSMPM n. 101, os membros do Ministério Público Militar já poderiam celebrar o ANPP em suas atuações, amparados pelo CPPM e de acordo com a independência funcional assegurada constitucionalmente.

Aliás, foi exatamente o que compreendeu o Colégio de Procuradores de Justiça Militar – órgão também previsto na Lei Complementar n. 75/1993 (art. 129), composto por todos os membros da carreira em atividade no Ministério Público Militar – o qual, quando consultado sobre o assunto, no 9º Encontro, realizado entre os dias 24 e 26 de novembro de 2021, emitiu Carta (https://www.mpm.mp.br/carta-do-9o-encontro-do-colegio-de-procuradores-de-justica-militar-9ecpjm/) na qual, dentre os enunciados aprovados naquele conclave, dois deles versam sobre a possibilidade da celebração do ANPP e a importância de regramento acerca do tema para o MPM.

Portanto, ao contrário do que a matéria veicula, a iniciativa para a Resolução do CSMPM nada tem a ver com eventual atuação ou interferência do atual Procurador-Geral de Justiça Militar, nem guarda relação com seus mandatos, tratando-se de demanda do Colégio de Procuradores do MPM, encampada por Subprocurador-Geral de Justiça Militar, após amadurecimento das discussões e mediante deliberação democraticamente havida no âmbito da instituição.

Ademais, cabe destacar que o ANPP constitui instrumento de política criminal e está dentro do espírito de autocomposição e de atuação resolutiva que vem sendo incentivado pelo Conselho Nacional do Ministério Público, como se depreende da Resolução 118, de 1º de dezembro de 2014, e da Recomendação nº 54, de 28 de março de 2017.

Finalmente, deve-se esclarecer que, diferentemente do noticiado, o regramento versado pelo CSMPM entende possível a celebração do ANPP apenas para crimes militares (e não crimes comuns, que não são da competência da Justiça Militar nem são apurados pelo Ministério Público Militar) tipificados fora do Código Penal Militar (ou seja, na legislação penal comum, devidamente assimilada pelo Direito Penal Militar após a edição da Lei n. 13.491, de 16 de outubro de 2017), até mesmo como forma de tratamento isonômico ao já conferido na Justiça comum, considerando que respondem perante a Justiça Militar federal não apenas os militares da ativa, mas também os inativos e os civis, informação omitida pela matéria.

O que ocorreu na sessão do CSMPM no dia 24 de maio de 2022, portanto, foi apenas a busca do regramento de uma realidade já existente e inevitável, que obviamente passará pela discussão, acerca de sua conveniência, nos casos concretos, ocasião em que os atores, integrantes do Ministério Público, da defesa e do Poder Judiciário chegarão a bom termo, como sempre se exige em um processo penal militar no Estado Democrático de Direito.