A Procuradoria de Justiça Militar em Curitiba apresentou Alegações Escritas requerendo a condenação de coronel do Exército pelo crime de peculato-desvio, previsto no artigo 303 do Código Penal Militar. O militar desviou, em proveito próprio, bens que estavam sob sua guarda no 27º Batalhão Logístico, em Curitiba/PR.
De acordo com o apurado, entre dezembro de 2008 e o início de 2009, o acusado, então comandante do 27º Batalhão Logístico, deixou de observar os procedimentos legais para a alienação de bens integrantes do patrimônio público e, em duas ocasiões, vendeu diretamente a uma empresa particular aproximadamente 70 pneus, doados pela Receita Federal ao Comando da 5ª Região Militar e posteriormente repassados ao Batalhão. Comprador e vendedor alegaram que o valor resultante das transações foi R$ 42 mil, montante que o réu determinou fosse recolhido ao cofre da unidade e usado apenas mediante ordem direta sua.
Desse total, o coronel afirma ter utilizado aproximadamente R$ 22 mil para custear serviços de buffet, bebidas, confecção de convites e revistas, ornamentação e músicos, para a solenidade referente à sua passagem de Comando. Vale ressaltar que o valor orçamentário normalmente destinado à realização desses eventos não passa de R$ 3 mil.
O restante, ele declara ter utilizado em reformas, benfeitorias e comodidades no imóvel (Próprio Nacional Residencial) que passaria a ocupar após deixar o cargo de comandante do 27º Blog.
O coronel justifica que a venda ilícita dos pneus foi uma “alienação antecipada”, com o fim de suprir necessidades do Batalhão, e que os valores respectivos reverteram-se em prol da Organização Militar, com a conclusão de diversas “obras em andamento”.
O MPM ressalta que “diante de tamanha informalidade e descontrole na gestão da coisa pública, não se logrou demonstrar o montante do valor realmente arrecado com aquelas transações; se aqueles recursos teriam mesmo sido a fonte de custeio das indigitadas obras; quanto daquele montante teria sido aplicado em cada despesa alegada, nem de que maneira”.
O militar chegou a ser alertado por seus subordinados acerca da inobservância dos trâmites legais, bem como sobre os problemas que poderiam advir daquelas condutas, contudo, respondia que ele era o comandante do Batalhão e queria que as coisas fossem feitas daquela maneira.
Outro episódio também compõe esse processo, o desvio de árvores cortadas da área do 27º Batalhão Logístico. No mesmo período, final de 2008 e início de 2009, o comandante do 27º B Log determinou a contratação de mão de obra para a realização do corte de árvores existentes na área do aquartelamento.
Apesar de estar devidamente munido de autorizações do órgão ambiental competente, o acusado, deixou de obedecer à legislação e ordenou que a contratação dos serviços fosse diretamente negociada com um civil, que trabalhava como autônomo. A negociação consistiu em que o civil cortasse as árvores permitidas e pagasse R$ 60 por metro cúbico da madeira que lhe interessasse. Foram cortados cerca de 31 m³ de madeira, que resultaram numa receita de R$ 1.900,00. Como no caso dos pneus, o dinheiro foi recolhido ao cofre da unidade com a ressalva de ser utilizado apenas mediante ordem pessoal do comandante.
O coronel ponderou que era urgente o corte daquelas árvores, pois colocavam em risco a integridade das pessoas e instalações. Argumentou ainda que não haviam empresas interessadas em contratar com a administração. Entretanto, não há nos autos elementos que indiquem ter sido realizada uma pesquisa de mercado e tampouco foi justificada a dispensa de licitação.
Nos depoimentos colhidos na fase de instrução do processo, vários militares que trabalharam no 27º Batalhão há época dos fatos confirmam as irregularidades praticadas pelo comandante. Um deles relata que em reunião realizada com agentes da administração, o então comandante asseverou que “sabia o que estava fazendo” e que aquilo seria aceitável; que existiam os “pecadinhos” e os “pecadões”; e sustentou, ainda, que aqueles agentes deveriam ser mais “ousados”.
“Esse proceder fere gravemente os princípios da hierarquia e disciplina castrenses na medida em que era o próprio Comandante da Unidade quem apregoava a seus subordinados a infidelidade aos deveres que incumbem a todo agente público; além de demonstrar que o Acusado, deliberada e conscientemente, desvencilhava-se das obrigações e amarras legais que o vinculavam como administrador”, avalia a PJM Curitiba no documento.
O MPM concluiu que o réu, “livre e conscientemente, deixou de observar o rito legal imposto às contratações e alienações do Poder Público e desviou, em proveito próprio, bens de que obteve a posse em razão da função”. Como ressalta o promotor que assina as Alegações Escritas, o proveito próprio se caraterizou no atendimento de interesses pessoais: a autopromoção, pessoal e de sua gestão pública, por meio da realização de uma festividade de passagem de comando; e bem-estar próprio, ao efetivar melhorias no PNR em que passaria a residir.
O MPM requereu ao Conselho Especial de Justiça para o Exército da Auditoria da 5ª CJM a condenação do coronel nas penas do delito de peculato-desvio, previsto no artigo 303, do Código Penal Militar.
Tramitação – A princípio, em 2 de junho de 2011, o juiz-auditor da 5ª Circunscrição Judiciária Militar, em Curitiba/PR, entendeu que não teria havido peculato, mas sim crimes previstos na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, pelo que declinou a competência em favor da Justiça Federal. O MPM interpôs Recurso em Sentido Estrito, visando à fixação da competência da Justiça Militar da União e à determinação do recebimento da denúncia. O Superior Tribunal Militar, em decisão proferida em 20 de setembro de 2011, deu provimento ao Recurso e os autos retornaram para a 5ª CJM. Contudo, o juiz- auditor rejeitou a denúncia da PJM Curitiba, sob a justificativa de que não teria havido desvio ou apropriação de dinheiro ou bens públicos. Novamente, o MPM interpôs Recurso em Sentido Estrito, provido pelo STM, em 9 de outubro de 2012, que cassou a decisão e recebeu a denúncia.