Oficiais do Exército e civis denunciados pelo MPM são condenados por desvios no Instituto Militar de Engenharia (IME)

Cinco oficiais do Exército Brasileiro e dois civis denunciados pelo Ministério Público Militar foram condenados por envolvimento no crime de peculato, artigo 303 do Código Penal Militar. As penas variaram entre cinco e 16 anos de reclusão e foram impostas após julgamento de uma ação penal perante a 2ª Auditoria da 1ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM), no Rio de Janeiro.

Entre 2004 e 2005, os condenados realizaram 88 procedimentos licitatórios fraudulentos, em convênios firmados entre o Instituto Militar de Engenharia (IME) e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT). O montante desviado soma aproximadamente R$ 11 milhões, valores da época.

A empreitada criminosa tinha uma característica de continuidade delitiva, com atos semelhantes, repetitivos e sistemáticos, envolvendo os mesmos agentes administrativos e civis. As práticas irregularidades eram diversas: contratação de empresas de fachada e sem capacidade técnica em engenharia de transportes; emissão de declarações e atestes de serviços não prestados; emissão de notas fiscais falsas; pagamentos indevidos, mediante aditivos e valores acima do adjudicado, sem nenhuma justificativa, assim como por serviços não realizados.

Funcionamento do esquema fraudulento

De acordo com a sentença, as fraudes ocorriam através de um esquema que possuía quatro etapas. A primeira delas ocorria por meio da coordenação técnica e administrativa do convênio e era representada por um coronel e um major, ambos acusados de serem os idealizadores da ação.

O segundo passo ficava a cargo dos militares lotados no IME: um coronel, um tenente-coronel e um capitão. Tais oficiais exerciam cargos de ordenador de despesas, presidente da comissão de licitação e membro da comissão, respectivamente. Eram eles os responsáveis por atestes e pela realização dos processos licitatórios em análise.

Para que o esquema tivesse êxito, conforme consta na denúncia, foi preciso a realização da terceira etapa, que consistiu na participação de civis: um contador que faleceu durante o processo e dois empresários. Os três criaram diversas empresas de fachada, posteriormente beneficiadas nos processos licitatórios.

Por fim, havia a participação de parentes ou amigos dos envolvidos, que atuavam como sócios (“laranjas”) das empresas de fachada, as quais serviam como destinatárias dos recursos decorrentes dos posteriores contratos e de mecanismos que possibilitariam a transferência do recurso público para aqueles que efetivamente estavam por trás dos nomes que constavam como sócios.

As referidas empresas não prestaram os serviços para os quais foram contratadas e, de acordo com a denúncia, só saíram vencedoras dos certames licitatórios que participaram porque estes eram realizados sempre na modalidade “Convite”. Em tal espécie de licitação, a administração pública escolhe quem receberá o edital e os chama para apresentação de proposta de preços.

Caracterização do peculato

Após a descoberta das diversas fraudes, foram instaurados procedimentos investigatórios por parte da Administração Pública, que realizou uma análise técnica por meio de peritos contábeis da Secretaria de Economia e Finanças do Exército (SEF), da 1ª Inspetoria de Contabilidade e Finanças do Exército (1ª ICFEX) e, posteriormente, pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Perícia realizada pelo Centro de Apoio à Investigação (CPADSI) do MPM constatou inúmeras irregularidades nos procedimentos licitatórios, modalidade convite, realizados pelo IME no período: fracionamento de licitação com fuga da modalidade apropriada; valores adjudicados superiores aos estimados; valores pagos acima dos valores adjudicados; pagamentos realizados à empresa diferente da vencedora do certame; participação de empresas com mesmo quadro societário; falta de pesquisa de mercado para formação da estimativa de preços e escolha da modalidade; apresentação de propostas com objetos distintos daqueles previstos no edital; não observância de prazos entre a entrega dos convites e a realização da reunião para habilitação dos licitantes; vários convites com o mesmo objeto; vários convites realizados no mesmo dia.

As investigações conduzidas pela Procuradoria de Justiça Militar no Rio de Janeiro constataram ainda uma evolução patrimonial incompatível com a renda que os envolvidos recebiam de suas atividades profissionais.

O juiz federal substituto Sidnei Carlos Moura, responsável pelo julgamento da ação penal de primeira instância, frisou ainda que todos os militares eram ou são de intendência, com profundo conhecimento das rotinas administrativas e de compras públicas, o que o fazia concluir que jamais poderiam ter sido “enganados” por uma fraude tão explícita.

Dosimetria da pena

Dos 15 investigados na ação penal, cinco foram absolvidos por falta de provas, todos eles parentes ou amigos dos acusados. O coronel da reserva, que exercia a função de coordenador técnico do convênio, foi condenado a 16 anos e oito meses de reclusão, e o major a 16 anos. Ambos tiveram suas penas agravadas por serem oficiais das Forças Armadas, pela premeditação e pela função que exerciam no momento do crime. Também pesaram negativamente o fato de terem sido arquitetos do esquema, além do montante do desvio.

O outro coronel da reserva envolvido vai cumprir uma pena de 11 anos de reclusão. Ele era o ordenador de despesas da unidade militar durante o acontecimento dos crimes. Também cumprirá pena acima do mínimo legal o tenente-coronel, condenado a oito anos de reclusão, e o capitão que atuava como adjunto do setor de licitação, que teve sua pena fixada em cinco anos de reclusão e será o único beneficiado com regime semiaberto.

Por fim, os dois civis empresários foram condenados a 10 anos e oito meses de reclusão. Contra eles, foi levada em conta a premeditação do plano criminoso, assim como a importância da conduta, uma vez que foram eles os responsáveis por abrir as empresas de fachada. Ainda cabe recurso ao Superior Tribunal Militar.

Continuidade delitiva

Ressalte-se que essa empreitada criminosa não teve fim com a conclusão das licitações e da suposta execução dos serviços relativos aos convênios DNIT/IME.

Em 2005, o então Secretário de Ciência e Tecnologia, tentou acabar com estes convênios, quando constatadas irregularidades na execução e aplicação dos recursos desses convênios, notadamente pelo repasse indevido de R$ 6 milhões pelo IME à Fundação Ricardo Franco, com dispensa de licitação, em dezembro de 2004. Recursos a serem supostamente empregados no ano subsequente, fato ratificado por uma Auditoria da 1ª ICFEx.

Em razão disso, a partir de 2006, houve um novo acordo entre o Exército e o Ministério dos Transportes, mediante uma parceria entre o Departamento de Engenharia e Construção (DEC) e o DNIT. Assim, a coordenação dos convênios DNIT/IME passou a atuar na parceria DNIT/DEC, criando-se o Centro de Excelência em Transportes (CENTRAN), cujos coordenadores eram o coronel e o major condenados.

Enfim, os dois oficiais continuaram nesse encargo no período de março de 2006 a abril de 2009, quando foram apenas afastados após sumária sindicância realizada no DEC, em razão de denúncias semelhantes às que deram origem à ação penal militar julgada. Tais fatos estão sendo apurados na ação penal militar nº 7000178-74.20187.01.0001, que está em fase inicial de oitiva de testemunhas do MPM. Nesse procedimento, os danos causados ao erário podem perfazer o montante R$ 200 milhões. (Com informações da Assessoria de Comunicação do STM)

Ação Penal Militar nº no 0000196-80.2010.7.01.0201